terça-feira, 12 de agosto de 2008

Retiro para o nada

Picasso

Um dia escurecido pela chuva pequena. A noite aos poucos avançava completando os buracos brancos vazios esquecidos pelo cinza. Ela não tinha, desde o dia anterior, movido um dedo sequer.
Deitada na cama, com os braços e as pernas colados ao corpo, como quem quer se enfiar de novo no útero da mãe, enrolou-se com o máximo de cobertores que pode, formando em si mesma um tremendo casulo.
De longe o que se via era um emaranhado de tecidos pesados, já não se via o formato de um corpo que dorme, a ausência de movimentos e até a respiração imperceptível fizeram daquilo uma massa.
Mas ela não dormia, por mais que fechasse os olhos, o sono não lhe vinha. O que não significava que, em momento algum, lhe saltasse aquela necessidade do despertar e uma multidão de pensamentos a empurrasse para fora da cama. Ela também não pensava. Pensar poderia lhe trazer dor e esta dor poderia ser o início de um movimento.
Foi quando, diante de sua paralisia completa, percebeu um delicado movimento dos dedos das mãos, quase presos pelo corpo. O que vinha dali era um pulsar completamente involuntário e vivo.
E então, pôde responder para si que todas as vezes que tentaram lhe convencer que era preciso fazer algo, por mais que não fizesse nada, tudo o que havia por dentro de sua pele eram seres em eterna atividade e loucura insana.
Por mais que quisesse, ela nunca, jamais, estaria parada.


Nenhum comentário: