quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Um bacuri

"Ela: Eu já não sou mais a mesma.
Ele: Claro que não, um bacuri saiu de dentro de você..."

Um bacuri de olhos enormes e arregalados
olhando pra cima, pra ver o mundo
saiu de dentro da mãe naquela sala fechada
que não dava pra saber qual a cor do tempo
o pai do seu lado olhos mareados
apertando sua mão olhando o bacuri
todo ele sangue líquidos e olhos
muitos olhos abertos pra olhar o pai e a mãe

Amanhecia o terceiro dia de todo a trabalheira que se deu pro bacuri sair
No primeiro ele só avisou
No segundo ele gritou,
fincou pé no mundo e disse "mãezinha quero te olhar nos olhos"
No terceiro...
Este era o terceiro, o dia dos olhos arregalados

No primeiro dia a mãe caminhou
A mãe jantou na mãe da mãe
A mãe foi dormir sentindo dor,
dor leve, de não tirar o sono
ela até achava que era dor....
não, não era não.

No segundo dia a parteira japonesa sabividente veio
mãe foi abrir o portão
não, não era hora não
"vai namorar pai, vai namorar mãe, bebê gosta de carinho"

Namoraram
e não é que a danada da dor aumentou
todo tempo
toda hora
e a mãe e o pai comeram melancia
comeram uva
comeram uma trufa, vixe que delícia
o dia tava bonito

Ela se agachava quando a danada da dor vinha
Ele fazia strogonoff pra jantar
o prato predileto dela
Eles choraram
Eles dançaram música lenta abraçadinhos
Eles choraram mais um pouquinho

A bolsa estourou
A noite chegou
A parteira japonesa sabividente voltou
na mesma hora em que a danada da dor aumentou

Pai segura na mão dela
respira junto forte profundo
Ela: Eu não tenho mais força
Ele: tira de mim esta força

Pé no balde
Bolsa quente nas costas
e muito carinho do pai

tinha também ali no canto segurando as próprias mãos
sem saber  que fazer
entre assustada e maravilhada
a mãe da mãe

o terceiro dia tomou conta do segundo
o bacuri não ia nascer no dia de marx
eles dançaram mais
no meio do quarto que ia ser do bacuri
dançaram côco

mas a danada da dor não é que foi passando
a japonesa sabividente falou: ta cansada, dorme um pouco
mas dormir não aguentava
deitar quase matava

a chuva veio
veio a procissão de encher piscina
de panela em panela
de chuveirinho
de força do chuveiro caindo toda hora

mas a danada da dor ficou espaçada
ficou curtinha
e era bem ela q tinha q fazer o bacuri descer

a japonesa acho melhor ir pro lugar dos homens de branco
a mãe recuou
o pai ressabiado concordou
a mãe chorou
mas o pai e a parteira deram confiança
um pouco disso um pouco daquilo
o bacuri sai pulando dai de dentro

o sol do terceiro dia tava quase chegando
o pai da mãe tava no portão
olho arregalado
Ela: eu to bem pai eu to bem.

e no caminho não é que a danada da dor voltou
mais forte a safada veio
e a japonesa correndo nas ruas vazias da madrugada

o homem de branco ja estava lá
as moças de branco ja estavam lá
e não é que elas não queriam deixar o pai entrar pra ver a tal da injeção
a mãe virou bicho
mostrou a lei
ficou de bico
a moça da injeção entendeu
botou o pai pra dentro

um pouco disso
um pouco daquilo
a japonesa mostrou pro pai
olha ai, olha a cabeça

empurra força não na cabeça
sai de tudo dali de dentro
empurra força não na cabeça
a moça de branco dá uma ajuda
empurra força olha a cabeça

bacuri saiu
o olho arregalado
cheio de cabelo na cabeça
veio pros braços
quase não chorou
chorar não era preciso
a mãe tinha contado que aqui fora
era melhor que isso

o pai chorou
a mãe ficou procurando ver
com quem o bacuri parecia
besteira
parecia com ele mesmo

agora o bacuri ta ai
mais ri que chora
mais que brinca toda hora

nos primeiros dias depois do terceiro dia
a mãe chorou muito
teve medo
medo de não saber
mas a gente sabe, e como sabe

depois disso, não, ela não é mais a mesma.