terça-feira, 3 de julho de 2007

Bolhas de Sabão


Ao chegar em casa encontrou seu pai sentado no sofá, ele, que era o mesmo de sempre, fumando o cigarro e olhando pela janela, perguntou: Quem é você?
ELA: A mesma de sempre, não me reconhece?
O pai fitou-a por alguns instantes com um certo olhar de desaprovação e esquecimento.
ELE: ...
Ele tem um ataque de tosse por conta do cigarro. Ela simplesmente olha, ele para de tossir, ela vai até a mesinha, pega um pouco de água e leva ao pai.
ELE: Agora não precisa mais.
ELA: Um pouco de água não faz mal a ninguém... Beba. Pai, de que você sente mais saudades?
ELE: Sinto saudades de não fumar cigarros, mas mesmo assim fumo, sinto saudade de esperar alguém que eu me lembre pela janela, e sinto saudades de te reconhecer, mas não te reconheço.
ELA: Eu tenho saudades de quando eu esperava você chegar do trabalho todos os dias no ponto de ônibus sempre exatamente às 6h12 da tarde, de quando você me dava flores no meu aniversário. Você se lembra?
ELE: Quando você me diz, não tenho certeza se me recordo ou se imagino o que você me conta. Não sei se tenho alguma recordação que seja autêntica...Mas, agora, sente-se aqui e me fale de sua mãe.
ELA: Minha mãe? (Ela também não se lembra) Talvez tenha passado muito tempo pai. (Talvez a menina não quisesse lembrar dos dias ruins, dos segredos e da loucura de saber e não poder contar, ma sabia que não poderia falar de certas coisas a seu pai. Ele não entenderia. Ele não se lembraria mesmo. Ela olha na mesa e vê no porta-retratos o dia em eles foram para a Bahia, na fotografia, ela, a irmã e a mãe, sempre tão linda). As vezes esqueço como era a voz dela.
ELE: Por que nos esquecemos? Porque esquecer é muito melhor do que lembrar, quando tudo está vazio, pode-se inventar o que quiser. Você pode inventar a sua história.
ELA: Sim pai, e nela, o senhor fuma bolinhas de sabão...(alivia-se)
ELE: Você não entendeu... (beija-a, sem qualquer estrangulamento, ela aceita)