quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Dois minutos antes



No dia do casamento ela se olhou no espelho, linda. Vestido bordado à mão pelas tias. Irreconhecível até para ela mesma com a maquiagem que mudava seu sorriso e seus olhos. O buquê de flores de pano esperava num canto da sala. E era apenas ela que faltava, apenas ela em toda a parafernalha de qualquer casamento comum.
Não, ela não sumiria, não correria dos pais que a esperavam para colocá-la na enorme Limousine, não diria não no altar. Ela até que amava aquele homem, ele a fizera muito feliz nos dias de namoro. Ele era ao menos um homem de respeito e a faria feliz, ao menos lhe daria o necessário.
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Os sinos tocaram anunciando o matrimônio realizado. A lua de mel foi até que divertida. Ele foi trabalhar. Ela acabou encontrando um emprego que a tirava de casa. Os filhos vieram.
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Pesada de sono, porque o som que cercava seus ouvidos desde que fora viver ali impediam-na de fechar os olhos, ela atravessava a rua quando viu do outro lado uma senhora alta, de olhos claros, dona de si, romper de dentro da lojinha, sacolas nas mãos, livre até no andar, entrar no próprio carro e sair. Pensou que ela poderia ser solteira. Uma senhora solteira e linda. Pensou como seria a vida dela: O que ela fazia aos domingos? Quantos homens e mulheres diferentes ela conhecia? Por onde ela andava? Com que dinheiro vivia?
Se viu andando em saltos, dando ordens a empregados e rindo em bares com senhores de gravatas babando por seu cheiro. Se imaginou sozinha lendo livros e tomando vinhos, sem aqueles sons que tanto estouravam sua cabeça. Lembrou-se de como era bonita quando, ainda solteira, andava de saias e vestidos pelas ruas do bairro. Lembrou-se de como era linda cantando suas músicas prediletas. Lembrou-se de si mesma, assim, sozinha: ELA E SUA IMAGEM NO ESPELHO, DOIS MINUTOS ANTES DE ENTRAR NO ALTAR.
E quis voltar para casa olhar para todos e dizer: “Acabou. Quero voltar a mim.” Quis gritar pelas ruas que ela podia ser ela mesma, sem ninguém. Quis chorar por ter se deixado ir por tanto tempo. Quis...
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Os filhos tiveram filhos. Os filhos foram embora deixando fotografias, ligações semanais e visitas natalinas. Ficaram os dois, ela e o homem que a vida toda lhe deu o que era necessário.
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3 comentários:

Anônimo disse...

um dia publica????

Aline Bianca disse...

lindo!!!!

marcio castro disse...

boa a narrativa. gostei dos saltos.
beijos!